sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Adelaide Monteiro: Sem Abrigo


Ah, Poema!
Como eu queria libertar-te
Dessas roupas andrajosas!

Ah, Poema!
Como eu queria dar-te
O pão
A ti
E ao teu irmão!

Vives no mundo
Que não é teu
Despido de letras de esperança
Em sílabas de indiferença.
Dormes em buracos
De livros não lidos
Declamas-te em gritos não ouvidos
És letra de canção não cantada
És resto duma vida amaldiçoada

Ah, Poema!
Junta a tua voz
À de todos os infelizes
Que surgiram
De letras
Deste mundo atroz.
Insurjam-se bem alto
Em voz bem colocada
Comigo
E com todos os poetas
Que vos pariram
E lançaram no asfalto
De rua amaldiçoada

Ah Poema, maltrapilho
Neste mundo de egoísmo
Que não te liberta
Não te dá o pão
Não te dá nada! 


As aves sem-abrigo da minha cidade
Rogério Martins Simões
 
Já não confio no Sol,
e no claro dia,
que davam visibilidade à esperança
quando as flores
nem se pisavam nos canteiros…
 
Era proibido pisar a relva! …
Antes assim!
Que este estado de coisa nenhuma…
Quando muitos,
há muito,
deixaram de viver…
 
A exclusão social
todas as noites acorda
no desassossego…
Nas filas que ainda…
ordeiramente se erguem,
na espera,
por um prato de sopa
ou por um pedaço de pão.
 
Retemperam-se os corpos
Agonia dos mais desesperados,
Olvidados, excluídos da sociedade,
dos poderes políticos e dos governantes.
 
A explosão social não dorme! –
Não tem por onde ficar…
A vergonha vai perdendo o medo
ou a noite está a chegar
cada vez mais cedo…
 
Sorte têm os pardais…
ou os estorninhos…
que ensaiam bailados
nos céus de Lisboa.
 
Ontem saí mais tarde!
O céu estava cinzento carregado.
Fazia frio!
Era cedo ainda a noite!
Era tarde já o dia!
Lá estavam…
As aves sem-abrigo,
da minha cidade,
agonizando
e pachorrentamente embrulhadas
em cartões não recicláveis.
 
Esta noite
toda a noite choveu!
Pela manhã
uma fresta de luz rompia,
do céu cinzento,
não deixando esfriar as pedras aquecidas
nos corpos da madrugada…
 
Lisboa, 01-01-2009

1 comentário:

  1. Muito me honra ter sido escolhido um poema da minha autoria.
    Beijos

    Adelaide Monteiro

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